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segunda-feira, 28 de março de 2011

Der Himmel über Berlin ( As Asas do desejo - Wings of desire).




Lied Vom Kindsein

"Als das Kind Kind war,
war es die Zeit der folgenden Fragen:
Warum bin ich ich und warum nicht du?
Warum bin ich hier und warum nicht dort?
Wann begann die Zeit und wo endet der Raum?
Ist das Leben unter der Sonne nicht bloß ein Traum?
Ist was ich sehe und höre und rieche
nicht bloß der Schein einer Welt vor der Welt?
Gibt es tatsächlich das Böse und Leute,
die wirklich die Bösen sind?
Wie kann es sein, daß ich, der ich bin,
bevor ich wurde, nicht war,
und daß einmal ich, der ich bin,
nicht mehr der ich bin, sein werde?"

"Quando a criança era criança,
era tempo destas perguntas:
Por que eu sou eu e não você?
Por que estou aqui e não lá?
Quando começou o tempo e onde termina o espaço?
Será que a vida sob o sol nada mais é que um sonho?
Será que o que vejo, escuto e cheiro não é apenas
uma miragem do mundo anterior ao mundo?
Será que realmente existe o Mal e pessoas malvadas?
Como é possível?
Eu, que sou eu, não existia antes de existir.
E, no futuro, eu, que sou eu,
não serei mais quem eu sou."

Lied Vom Kindsein, Peter Handke
in: Wim Wenders, Asas do Desejo
(Der Himmel über Berlin), 1987.



Se os anjos existem de verdade, como serão?Muitos artistas – alguns talentosos, outros nem tanto – já imaginaram a resposta. O cineasta alemão Wim Wenders talvez tenha sido um dos mais criativos a fazê-lo. Wenders usou os anjos como metáfora para tecer um poético e sensível estudo sobre a condição humana em “Asas do Desejo” (Der Himmel über Berlin, Alemanha, 1988).O amor é a epítome da experiência humana, e Wenders sabe disso, mas não é tudo o que importa. Beber uma chávena de café, esfregar as mãos uma na outra para esquecer o frio, fumar um cigarro olhando para a noite, todas podem ser experiências quotidianas tão fascinantes quanto um beijo, para alguém que começa a reconhecer sua própria natureza humana.

“Asas do Desejo” é um filme contemplativo, que observa e comenta sobre a vida. É um filme sobre a passagem do tempo, sobre a consciência a respeito de si; em última análise, filme sobre a descoberta da própria identidade. Em vários momentos, Wim Wenders faz as perguntas que motivam a reflexão provocada pelo filme: “porque eu sou eu e não você? Porque estou aqui e não ali? Onde termina o tempo e onde começa o espaço?”.



Simples, porém abstracto. O próprio Wenders explica, recitando um mantra infantil que seus anjos repetem várias vezes, que essas são as primeiras questões feitas por uma criança, quando ela começa a tomar consciência de si mesma. São, portanto, as questões fundamentais que definem a identidade de qualquer indivíduo. Perguntas aparentemente inocentes, mas que nenhum filósofo conseguiu responder. “Asas do Desejo” é pura metafísica e tem uma face espiritual evidente, embora trate fundamentalmente da experiência urbana (e, portanto, humana). Talvez seja por isso que tanta gente ache o filme chato ou incompreensível; ele não procura respostas, apenas reflete sobre as perguntas.


Wim Wenders fez um filme verborrágico mas, contraditoriamente, sem diálogos. A maior parte do filme é construída de monólogos interiores, de pensamento. Os anjos passeiam entre os mortais, ouvindo seus pensamentos como se sitonizassem um aparelho de rádio, saltando entre diversas estações. De vez em quando, eles encostam as mãos nos ombros das pessoas mais angustiadas e tentam transmitir um sentimento de esperança, que pode ser de grande valia – ou não. Isso é tudo o que lhes é permitido. É uma vida 100% passiva.


Os anjos de Wenders parecem detectives de um filme macabro: grandes sobretudos negros, rostos sérios, mãos nos bolsos. Eles (os anjos) vivem em bibliotecas e empoleiram-se em pontos altos das cidades. O filme passa-se em Berlim, a cidade perfeita no momento perfeito, pois o filme se desenrola a poucos meses antes da queda do muro que a dividia. A cidade é o campo de batalha que expõe a visão de Wenders sobre a experiência urbana contemporânea, marcada pelo isolamento cada vez maior dos invidíduos. “Em Berlim, não é possível se perder, pois qualquer caminho vai dar no Muro”, reflecte um anjo. Numa metáfora brilhante, Wenders afirma que cada indivíduo na Alemanha é uma espécie de mini-Estado, com leis e regras próprias.

O filme vislumbra esse aspecto solitário da existência humana através dos olhos impassíveis dos anjos. Eles são invisíveis aos humanos, com excepção das crianças; os pequenos são os únicos seres que olham diretamente para os anjos, embora o filme jamais explicite se as crianças são realmente capazes de vê-los. Nesse sentido, Wenders opera uma metáfora fantástica, associando os anjos às crianças. Eles identificam-se com elas; são seres puros, inocentes, que começam a descobrir sua identidade. Os adultos, mergulhados no turbilhão de problemas do quotidiano, já perderam de vista as três questões fundamentais. É quase um ensinamento budista.


A maneira que Wenders encontrou para realçar a passividade dos anjos foi filmando “Asas do Desejo” sempre da perspectiva desses seres, retirando a cor do que visualizam quase completamente. Os anjos vêem um mundo monocromático, sem emoções – sem cores. Quase 80% do filme é a preto-e-branco, com a excepção da parte final, quando o protagonista, Damiel (Bruno Ganz), toma a decisão crucial de existir. Os poucos planos coloridos no meio do filme sugerem que o processo de conversão de Damiel, de anjo em humano, tornou-se irremediável em determinado momento. Ao se apaixonar, a vida começou a ficar colorida para ele. Quando isso finalmente ocorre, “Asas do Desejo” ganha cores explosivas.


As actuações são espontâneas, mas cuidadosas. Ganz tem o maior destaque por conseguir imprimir um ar altivo e melancólico enquanto anjo. A interpretação muda radicalmente quando ele desce à Terra. Não são apenas as roupas ou o penteado; algo mais sutil lhe empresta a humanidade necessária antes do seu encontro com a trapezista Marion (Solveig Dommartin). O modo como ele se entrega aos pequenos prazeres do quotidiano, o sorriso inocente, a maneira de caminhar, o olhar perplexo; de repente, Damiel é como uma criança crescida. Descobre o que é sentir, o que é ser, efetivamente, humano.


A dicotomia (crianças/anjos) torna-se evidente a partir da actuação de Ganz. Combinada com a sutileza da direcção de Wenders, a performance do actor dá agilidade ao filme, reforçando o sentido da lentidão melancólica dos primeiros 90 minutos. A partir desse momento, o filme ganha um senso de humor refinado, encarnado perfeitamente pelo personagem de Peter Falk (quando o actor aparece, interpretando a ele mesmo no personagem mais fascinante e enigmático do filme, o filme ganha ironia e diálogos deliciosos).

Isso tudo é prova da maturidade de um cineasta no pleno domínio do seu talento. Wim Wenders já havia ganho Cannes e feito grandes filmes, mas “Asas do Desejo” é tido por muitos críticos como a sua obra-prima, e um dos mais importantes filmes europeus dos últimos 20 anos. É fácil perceber o porquê.

“Asas do Desejo” conserva a gravidade e a capacidade de penetrar na psique humana, algo que os grandes cineastas europeus das décadas de 1960 e 1970 faziam com autoridade. Wenders aproxima-se especialmente do italiano Michelangelo Antonioni, com suas longas caminhadas silenciosas e a temática insistente da incomunicabilidade. O diretor alemão parece um pouco mais optimista. E esse optimismo revela-se profético, na medida que o muro de Berlim, símbolo preferido de Wenders para a solidão do homem de hoje, cairia pouco depois.



Este texto foi retirado e alterado do sítio http://www.cinereporter.com.br/criticas/homevideo/asas-do-desejo/ , para uma compreensão da filosofia associada a Wim Wenders recomendo vivamente este sítio http://filocinetica.blogspot.com/2010_10_01_archive.html que possui uma sinopse bastante abrangente e muito bem elaborada. A opção recaiu sobre o primeiro "link" por ser mais aligeirado na presunção e caracterização do filme. O segundo "link" é um texto longo mas que possui toda a informação e abrangência. 





2 comentários:

  1. "Talvez seja por isso que tanta gente ache o filme chato ou incompreensível; ele não procura respostas, apenas reflete sobre as perguntas."
    Talves ele queira se livrar da ditadura das respostas imediatas......

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  2. A crise chamada "existencial" está bem presente neste filme. O que somos? Para onde caminhamos? Será esta organização social de sobreposição do homem sobre o homem correcta?
    As evasões e introspecções que acontecem em cada um de nós, reflectem-se no quotidiano criado e visualizado pelos outros, dando a sensação de estranheza e sem sentido os gestos que perpectuamos na vida. A excepcção só surge quando o interlocutor sente e vive na mesma perspectiva de quem opina.
    Mas até que isso aconteça por vezes caminhamos sem rumo parecendo que sabemos para onde caminhar.
    É um dos meus filmes de eleição.

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