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Apresentação e explicitação da vida Portuguesa como sinónimo da nossa nacionalidade passando pelos mais variados temas, sem contudo esquecer, o debate de temas proibidos que pecam e se perdem na ignorância dos povos e a sua abordagem por parte dos sectores políticos vigentes. "Ubi veritas?"



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Filologia Barranquenha - Dialecto da região de Barrancos.


 
Em meados dos anos cinquenta do século passado foi editado postumamente pela Imprensa Nacional de Lisboa um livro em que o Dr. José Leite de Vasconcelos (1878-1941, ver aqui biografiaver aqui mais dados biográficos ) tinha já entregue ao prelo após uma primeira revisão e que provavelmente deveria ter saído em 1941.

José Leite de Vasconcelos esteve em Barrancos a primeira vez em 1938 para reunir materiais, e voltou em Agosto de 1939 para lá redigir o trabalho para o prelo, o que não pôde fazer completamente por ter adoecido e tendo assim regressado a casa onde o conclui-o.
Anteriormente já o autor tinha publicado uma amostra deste dialecto no opúsculo "Da fala de Barrancos" e que pretendia que fosse complementado pelo presente "Filologia Barranquenha - Apontamentos para o seu estudo".
 
No requerimento ao Ministro do Interior da época em que se pretendia a sua edição, José Leite de Vasconcelos refere a essência do estudo do dialecto com a perspectiva de salvaguarda, contrariando assim o esquecimento que eventualmente poderia surgir por falta de um estudo que não fosse editado.
Desse requerimento, retrata de maneira sumária a equidade com outra regiões e a base do seu falar.

(...) O Barranquenho é um curioso dialecto popular usado no concelho de Barrancos; tem por base o falar do Baixo Alentejo, modificado pelo estremenho-andaluz, que lhe deu uma feição muito notável. (...) O Barranquenho é linguagem raiana, paralela de algum modo às que se falam em Miranda do Douro e na região de Xalma (...).

Do presente livro, irei retirar algumas passagens que me parecem as mais significativas para que se possa entender a importância deste dialecto.

(...) 1.  Barrancos, no Alentejo Baixo, está posto em sítio montuoso, e de constituição xistenta, a 300 ou 400 metros de distância da raia, tomada em linha recta; e o seu território, ou concelho de Barrancos, penetra na Hespanha, como uma cunha, que fica pois delimitada por território hespanhol ao Norte, Nascente e Sul, e tem de superfície 189,50 quilómetros quadrados ( Censo das povoações, de 1911, p.6). Do que resultam, naquele ponto, especiais relações sociais entre as duas nações vizinhas, e acção recíproca, maior, já se vê, da de lá na de cá, do que ao invés, atenta a pequenez e insulamento do nosso rincão - esta palavra é plural de barranco (...).

(...) 4. A nomenclatura geográfica traduz de ora em quando as condições do terreno xistento em que a povoação assenta: Montes Claros ( se o nome é indígeno ), elevação central d'onde irradiam umas tantas ruas, entre elas a de Encinasola, antigo caminho para a próxima povoação hespanhola dêste nome, o Cerro ou Cêrru pròpriamente dito, verdadeiro empilhamento de habitações, ainda há poucos anos chamado de Cêrru de João Râmu, e em que havia apenas uma ou outra casa, rodeada de silvado e de mato. Em Alto Sano, ou Çanu, designação imposta ao largo de S. Sebastião, que fica entre a rua dêste nome e a de S. Bento, devemos ver uma importação de Encinasola, que já tem um sítio assim chamado ( Monte Sano ). A rua de S. Bento vai dar ao cemitério, o ponto mais elevado da vila, com extensas vistas para a nação vizinha. (...)

(...) 9. Da convivência, a que se aludiu, de Hespanhóis com os habitantes de Nóudar e de Barrancos adveio influência hespanhola no português, a qual muito concorreu para a formação de um tipo especial de linguagem, designado na povoação por barranquenho, ou fala barranquenha, ou fala à barranquenha. Por barranquenhada designa-se uma expressão mais ou menos própria do barranquenho. (...)

Da influência Espanhola na linguagem de Barrancos pode-se verificar no livro a transcrição fonética reduzida a regras gerais e influências da gramática espanhola no falar de Barrancos e as relações do vocabulário ou léxico barranquenho com o espanhol.
Para se fazer uma melhor ideia do falar de Barrancos retiro estes contos e bastante explicativos no modo.

(...) 1. Um continhu
Era ~uma zorra i ~u môxu. I le di a zorra áu môxu:
- Anda cá, compádri môxu.
- Não! cumádri zorra, que logo me comí.
- Nã te cômu, compádri môxu, purqu'agora tem bindu uma orde~ du bixinhu nã fazênu má ~u òzôtru.
- Poi te~ que dize trê bêzi: môxu cumí!
Bàxando áu xão u môxu, a zorra abrí a bôca, pâ comê u môxu. A zorra bái a dizê:  môxu cumí! i u môxu saí a buá, dizendu:
- A ôtru ma não a mim!

(...) 6. Çalamom i u rapá
Quandu Çalamom êhtaba na cama, para murrê, pediu uma braza de lumi, que um rapá le trôçe na palma da mão sôbre uma pouca de çinza, para nã çe quêmá.
U belhu, au bê fazêR ihtu, diçe: Murrendu i aprêndêndu.

Segundo o autor na sua pesquisa documental, esta relação entre as línguas pode-se relacionar com um documento de 1245 em que refere que coexistiam no castelo de Nóudar dois idiomas: o espanhol por tradição antiga e o português. Desta coexistência houve transmissao e cruzamento entre as línguas, não esquecendo que ainda em 1527 a maioria da população de Barrancos era castelhana e só com o rolar dos anos e por influência política, a supremacia linguística passou para o português.
No fundo e presente até à data da intenção da publicação deste livro, podia-se dizer que se falava de três maneiras diferentes em Barrancos. O português, o espanhol e o barranquenho.
Aqui neste exemplo retirado do livro podem verificar alguns exemplos:

Português                Espanhol              Baranquenho
lavrador                   labrador               labradô
narizes                    narices                 narízi
ouviam                    oían                     obiõ
caio                         caigo                   cáyu

Na divisão quarta do livro denominado como "Seara Vocabular" e com a colaboração de D. Cesária de Figueiredo, está elaborado um trabalho de grande relevância no vocabulário barranquenho, em que se fez equivalência de palavras que constam num dicionário português com os vocábulos entretanto já identificados. Por ser de algum modo extenso, deixo-vos apenas algumas:

abufêtêá - esbofetear
açim - assim
alburóte - alvorôço
ahquêrozu - asqueroso, nojento
alifafe - minúcia, ex: Tantu alifafe.
balidêh - valia, valor
balô - valor
baltizá - baptizar
banhá - tomar banho
batáta - batata
batatá - batatal, plantação de batatas
biáji(m) - viagem
bonçere - vossemecê
burbê - voltar, volver
caquêru - vaso de flores
carbúru - vasilha de lata, com duas asas
côrmilhuh - dentes caninos
çilguêru - pintassilgo (espanhol - jilguero)
çinhidô - cinto, faixa para apertar a cintura (espanhol - ceñidor)
quinqué - candeeiro ( Mãi, qué que le lebe u quinqué? )
tabuádu - palanque que fazem na praça, de cima do qual se assiste às touradas
zôrra - raposa 

Nos seguintes endereços podem aceder a mais informação sobre esta questão do dialecto barranquenho.

1 comentário:

  1. Já fiz o meu comentário ao texto, agora só quero agradecer e dizer que sinto muito orgulho em ser Barranquenha!

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